SEVERINA
DA MORTE À VIDA: um grito poético uma vida de luta/luto.
O meu nome é Severino e não tenho outro de
pia.
Mas como Severino e Santo de romaria, deram então de me chamar Severino de Maria.
Mas como a muitos Severinos com mães chamadas Marias, fiquei sendo o da Maria do finado Zacarias.
Mas isso ainda é pouco, há muitos na freguesia por conta de um coronel que se chamou Zacarias e que foi o senhor mais antigo dessa sesmaria.
Como então dizer quem fala ora vossa senhoria, vejamos, é o Severino da Maria do finado Zacarias lá da terra massacrada chamada PERIFERIA.
Mas isso ainda diz pouco se ao menos mais cinco havia com nomes de Severinos, filhos de tantas Marias, mulheres de outros tantos Zacarias, vivendo nessa terra magra e pobre em que eu vivia.
Somo muitos Severinos iguais em tudo na vida, na mesma cabeça grande que a custo se equilibra, no mesmo ventre crescido sobre as mesmas pernas finas, com a mesma pela NEGRA e iguais também porque o sangue que usamos tem pouca tinta.
E se somos muitos Severinos iguais em tudo na vida morremos de morte igual, a mesma morte severina, que é a morte que se morre de velhice antes dos trintas, de POLÍCIA antes dos vinte e de fome um pouco por dia...
Mas como Severino e Santo de romaria, deram então de me chamar Severino de Maria.
Mas como a muitos Severinos com mães chamadas Marias, fiquei sendo o da Maria do finado Zacarias.
Mas isso ainda é pouco, há muitos na freguesia por conta de um coronel que se chamou Zacarias e que foi o senhor mais antigo dessa sesmaria.
Como então dizer quem fala ora vossa senhoria, vejamos, é o Severino da Maria do finado Zacarias lá da terra massacrada chamada PERIFERIA.
Mas isso ainda diz pouco se ao menos mais cinco havia com nomes de Severinos, filhos de tantas Marias, mulheres de outros tantos Zacarias, vivendo nessa terra magra e pobre em que eu vivia.
Somo muitos Severinos iguais em tudo na vida, na mesma cabeça grande que a custo se equilibra, no mesmo ventre crescido sobre as mesmas pernas finas, com a mesma pela NEGRA e iguais também porque o sangue que usamos tem pouca tinta.
E se somos muitos Severinos iguais em tudo na vida morremos de morte igual, a mesma morte severina, que é a morte que se morre de velhice antes dos trintas, de POLÍCIA antes dos vinte e de fome um pouco por dia...
O teatro não está morto,
pelo contrário, está muito vivo, mas isso desde que não seja o local de culto à
língua maior, das narrativas hegemônicas com sua constância cristalizadora homogênea-individualista,
sua construção social de ideias e valores estéticos. Ele não está morto na
exata medida em que não se torne um espaço objetivante de uma lógica dominante,
ou seja, de reprodução do modelo capitalista. No entanto, para que sua vida
pulse na potência que é necessária ao ato revolucionário (e não a
sobrevivência) é preciso criar espaços adequados para produção de conteúdos
revolucionários e, com isso, formas (idem) que melhor exprimam a força contida
no mesmo. Deste modo, urge ao teatro uma volta para sua dimensão de uma arte de
esquerda que possui uma realidade extensiva a todas as suas definições, e que,
sem prejulgamento de nenhum tipo, é o lugar de CONGREGAÇÃO, ponto de partida
para uma luta. Por este ângulo, o teatro de esquerda é aquele que produz
artistas de esquerda, mas mais do que isso, é aquele fomenta uma ação
benfazeja, uma vez “que ajuda a congregar, alinha, unifica e dá um nome à
luta”. Um teatro que convoca um público por vir no sentido de ser erigido com ele
e assim seguir na luta contra tudo e todos que o jogam na vala do esquecimento,
da precarização, da morte. E quando da morte parte é para ser o espaço de um
testemunho que em torno dele se juntarão aqueles que têm na vida o testemunho
dela e aqueles que simbólico e materialmente morre a cada instante.
Neste sentido, parece ser o
que faz o GRUPO CLARIÔ DE TEATRO ao se instaurar com seu espaço na periferia da
maior metrópole da América Latina, especificamente, na divisa entre a cidade de
São Paulo com a de Taboão da Serra. Um teatro de esquerda feito por um
povo-artista que sempre esteve no processo histórico na condição marginalizada
e à esquerda do poder soberano vigente. E que, portanto, carrega na própria
carne o peso de um processo histórico sangrento, assassino, mas também a força
da resistência. A prova poética disso pode ser verificada na sua mais nova
encenação: SEVERINA DA MORTE À VIDA. Um trabalho de urdidura sensível poética,
ao mesmo tempo de uma força severa e, por isso, perturbadora em relação a
degradação da grande parcela de mulheres, homens e crianças promovida pelo
sistema em voga (capitalista) na sua forma de produção material, social e
subjetiva. Todavia, o espetáculo não se resume à crítica de tal sistema, mas
também lança olhares e nos faz pensar acerca das contradições presentes nas
lutas armadas (de doutrina autoritária) e no que elas podem vir a ser, ou mesmo
em relação a uma ideia de revolução que vai chegar e que está lá no horizonte
longínquo ao invés de termos em mente que tal revolução (insurreição) é
imprescindível no aqui agora e permanente. Se ela não é do ditame do macro por
contingências diversas a que devemos observar com atenção, ela é da ordem do
micro com sua capacidade inventiva, solidária. Ou seja, o espetáculo esbugalha
os opostos na sua forma totalitária; seja na sua formação econômica ou política
ou nas duas ao mesmo tempo. O que evidencia a importância do meio - não como
neutralidade, ausência de posicionamento - na linha que separa os opostos
(complementares?) e que corre a vida. O meio como radicalidade, potência
constituinte que não se deixa reduzir a transcendência do poder constituído. Colocando,
desse modo, abaixo a apologia pós moderna, neoliberal do fim da transformação
radical da sociedade e da política.
Ora, a preocupação do
espetáculo é com a vida, contudo, não se trata de qualquer vida, isto é, da
“vida-maior” (hegemônica) com seus padrões majoritários condicionantes. Mas das
“vidas menores” (e aqui não é no sentido valorativo de ter menos importância ou
estatístico, e sim, de potência porque foge do... e faz fugir o padrão) presentes
no mundo e que por conta disso são atravessadas pela linha “dura–segmentarizante”
do Estado (seja na forma do Estado totalitário ou do Estado liberal com forte
interferência do mercado como é o que vigora na realidade brasileira e mundial)
fazendo com que tais vidas sejam delineadas ao seu modelo e tornem-se minorias
quando em relação aos direitos. Pois não se pode esquecer que nenhuma vida ou
se quiser o “ser” da vida está fora das operações do poder. Significando dessa
maneira, que o “ser” da vida é ele mesmo constituído por meios seletivos; como
resultado dos mecanismos do poder.
No espetáculo de maneiras
diversas evidencia-se tal processo de precarização da vida e com ela a
dominação. A trajetória de Severino (alegoria que dá nome ao espetáculo) é o
caminhar de um povo subjugado e entregue a uma formação que se desenvolveu
historicamente a fim de maximizar a precariedade para alguns e minimizar para
outros. Primeiro Severino é expulso do seu lugar, depois ele vai “trocando” (de
forma forçosa e, portanto, sem opção) seus meios de produção (suas ferramentas
de trabalho) por aquilo que deveria em tese ser comum a todos, a saber: água,
comida. Severino, então, por um lado, se vê sem seus meios de produção e
forçado a tornar sua força de trabalho uma mercadoria e, por outro, expulso da
sua terra, entendido não como propriedade privada, mas da qualidade do
pertencimento, do comum, do saber de onde veio, da vida comunitária. Sem suas
raízes que servem de orientação na constituição de novos territórios, de novos
povoamentos da terra que não os ofertados pelo modelo capitalista.
É tudo que o capitalismo não
quer. Povoamentos que divirjam do seu modelo. No entanto, há múltiplos povos
(cheios de Severinas e Severinos) minoritários (de novo não se trata de
estatística) reivindicando uma outra modalidade de terra que não a de se
apropriar pela lógica privativa, pois da terra usa-se de tudo, mas não se é o
proprietário dela. Está aí um jeito de ocupar a terra sem ser pela lógica do
capital. Todavia, essas minorias não tem o direito e por vezes nem à FALA. E
por conta disso não conseguem se manifestar, expressar nos códigos vigentes
(visto que estão atrelados a uma linguagem própria e a direitos que só os
beneficiam), não restando outra coisa senão o GRITO.
O grito pode ser o agregador
de uma luta, de uma forma de organização que produz fora do modelo e que também
se manifesta numa estética fora dele, que cria narrativas monstruosas que
aparecem para renegar toda normalidade, para declarar miserável a obediência.
Para voltar a participar da ágora e poder falar por si e não se deixar falar
por ninguém ou falar por alguém, e assim, ter o direito sobre a terra, sobre a
forma como ocupá-la ou ser sobre ela. Durante o espetáculo Severino se vê diante
de duas frentes; cada uma a sua maneira declina o entendimento do público, do
espaço público, do homem público, da vida pública, do compor junto preservando
sua singularidade. Por um lado a perda ocorre pela forma de exploração do
sistema capitalista e pela sua lógica individualista corroendo o caráter e
minando qualquer forma de solidariedade, por outro, via a um nós que se
sobrepõe sobre o UM sem o deixar ser. Beirando assim cair num totalitarismo com
sua forma de dominação radical; não se limitando a destruir as capacidades
políticas do homem, isolando-a em relação à vida pública, mas tendendo a
destruir os próprios grupos e instituições que formam o tecido das relações
privada do homem, tornando-o estranho assim ao mundo e privando-o até de seu próprio
eu.
Uma das cenas que sintetiza
de forma poética a discussão que até agora venho tentando elaborar é do enterro
de Severino quando o revolucionário surge e proíbe Severina a (outra personagem
que durante todo espetáculo não fala nada) enterre-o provocando nela o grito e
a revolta. Aliás, tal cena muito me lembrou da passagem de Antígona quando ela
enterra o irmão para que não seja comido pelos bichos, mas ao fazer isso
irrompe contra o poder do seu irmão que é o representante de poder superior. Em
Severina a insurgência é contra tudo aquilo que reduz o ser a mero objeto. É
contra os poderes que se apropriaram da terra e fizeram dela um produto seu.
Mas agora gostaria de
retomar o começo quando me referi a uma estética de esquerda, de um teatro
revolucionário porque não da utilização de procedimentos e estéticas da língua
maior.
O teatro contemporâneo tem
se notabilizado pelo seu caráter experimental, fragmentado - nesse ponto a
justificativa estando na impossibilidade de narrativas coesas visto que a
própria realidade passa por processos de transformações radicais. Não obstante
isso tem levado (claro tem as exceções, que fique bem claro!) a construções
superficiais, a presença de discursos de tipos os mais variados e até
excludentes numa mesma peça, sem atentar para ambiguidade do processo, o que
faz o projeto espetáculo cair em maniqueísmo às avessas ou quando o falar de
tudo é falar de nada. Mas, enfim, aqui não é o espaço para aprofundar tal
discussão.
Em paralelo a essas
propostas tem se verificado a constituição, a continuidade ou mesmo a retomada
de um teatro com posicionamento político muito claro, estendendo (e guardando
as características próprias de cada uma) tanto o conceito de política quanto de
arte ao domínio comum da práxis humana:
“a obra artística carrega qualidades que afetam a percepção do mundo e fatos da
política atingem as mais diferentes esferas da sociedade, o que possibilita a tendência
de aproximação destas duas áreas distintas, criando vínculo e deixando-se
influenciar mutuamente”. (CHAIA, 2007, p.14)
Nessa linha a teatralidade
engendrada tem explodido com a teatralidade do teatro burguês, isto é, com seus
enunciados formais bem como temáticos. Além de enveredar por espaços não convencionais,
numa tentativa de encontrar formas que dê conta de falar da sociedade sem
partir de uma convenção cristalizada dada a priori. Ou dito de outro modo, sem
partir das convenções de um teatro que está submetido a uma língua maior. O que
também exige um outro tipo de organização no que se refere ao processo de
construção do trabalho. Pois a arte não acontece deslocada do sistema de
produção. Qualquer fabricação, ação, acontecimento passa necessariamente, pela
organização das forças produtivas. Por “sistema produtivo”, aqui, se adota uma
concepção ampla. Mais do que a produção de sujeitos e objetos, é um conceito
radicalmente construtivista. O sistema produtivo é o que cria o próprio mundo,
natureza e cultura; é subjetividade em estado fluido, dinâmico, disforme.
Se instaura uma outra lógica
o que permite ao grupo trabalhar numa outra chave, logo, estabelecer uma
construção mais coletiva, sem com isso, significar a diluição das responsabilidade
que cada um carrega no momento do processo de criação. E isto fica bem claro no
trabalho do CLARIÔ, pelo menos, nessa fase aonde a obra encontra o público. E a
prova afirmativa disso está no programa da peça: nos relatos que chamam atenção
para essa construção e ao final da peça com apresentação de cada membro do
grupo.
O fato é que esse tipo de
construção vai implicar em escolhas estéticas por parte da encenação para que a
peça fale da sociedade para sociedade, mostre o homem inserido nela. A dificuldade
pode está nas escolhas dos procedimentos, dos estilos, na busca pela
teatralidade que melhor sirva ao propósito do coletivo. No caso do trabalho
aqui analisado as escolhas elevaram o mesmo a um nível muito sensível, a uma
construção cênica aberta porque da utilização de algumas referências históricas
e linguagens artísticas, um ajuntamento, um ENSEMBLE
como cunhado por Brecht. Sem deixar de comentar a corporeidade; um retorno ao corpo ancestral como um corpo em conexão com a terra, com a maneira de ser com ela e nela. Imprimindo ainda mais contundência ao projeto, pois se trata de um corpo fora do modelo civilizatório na sua forma disciplinar domesticadora produtiva.
Outro fator, não menos
importante, foi em relação à obra de João Cabral de Melo Neto. A forma como o
grupo lidou com a mesma, ou seja, numa espécie de duplo posicionamento diante
dela, por um lado, respeitando-a e tendo noção da sua grandeza, mas, por outro,
sabendo da necessidade da sua atualização para uma criação dramatúrgica
coerente com o espaço-tempo do qual faz parte e um estado cênico
provocador.
Por fim, a morte que é o
tema muito presente no espetáculo pode servir testemunho e ser através dele a
força agregadora, a vida por vir, a raiz para novos povoamentos. O teatro como
um grito, um testemunho, um meio para...
PS: o trabalho pode ser
pensado a partir de várias entradas, o que significa esse texto ser mais uma
análise das possíveis. O texto é a partir do trabalho, do que ele faz pensar,
portanto, nunca querendo ser um ato de ilustração do trabalho, contudo,
buscando respeitar em muito a criação, o coletivo.
Logo volta!!!!