Um exercício de imaginação.
E Se. O Se tem relevância e sua importância, que o diga o sociólogo
Gabriel Tarde: "Dizer se não é apenas lícito; é útil, é necessário;
nenhuma lei teria sido descoberta e formulada pelo homem se não fosse dotado de
faculdade de dizer se". E se ao final de 2018 um candidato de esquerda
(nem falo que vai ser o Lula, pois dada a atual conjuntura isso parece ser cada
vez mais distante), ou melhor, um centro-esquerda chegar a vencer as eleições
(por mais que isso hoje seja distante pensar), ele governa? E mais, como
chegará o Brasil ao final do governo ilegítimo? Com uma lógica de uma política
estritamente econômica, o que gera insegurança das pessoas e dos bens,
acarretando fenômenos dispendiosos e mais custos com policiais, pois precisa
assegurar que essas pessoas não venham a se revoltarem. Pois basta passarmos os
olhos em qualquer jornaleco veremos a taxa de desemprego no país é enorme (com
perspectivas ainda mais assustadoras em relação à população jovem), para não
falar daqueles que perderam seus benefícios (que diga de passagem é quase nada)
retornando a um estado de vulnerabilidade social; o que em muitos casos
significa um entendimento por parte dessa parcela da população de não se ver
como cidadão, lançando-o num estado de destrutibilidade psicossocial de fortes
implicações e marcas, levando-o buscar, infelizmente, em outros lugares formas
de conforto e realizações. Se adequando ao estatuto de uma sobrevida, ao invés
de se revoltar. Mas para quem não tem nem o que comer, como terá força para se
revoltar? Para quem sempre foi estigmatizado, criminalizado, como lutará contra
um Estado policialesco? E não podemos esquecer que com a violência física vem a
violência simbólica. A produção de certo saber e sua circulação produzindo a
doxa da naturalização e conformismo. Toda uma violência estrutural exercida,
mas que se apaga no emaranhado do jogo político-econômico e nas narrativas construídas
por ele. E Quem dirá em sã consciência que isso é uma construção social e uma
escolha que busca privilegiar alguns em detrimento de outros, ou seja, que a
involução de um Estado para alguns (no seu aspecto penal, de sacrifício das
funções sociais: saúde, educação, cultura, habitação, assistência etc) é
necessário para que outros gozem de um Estado que mantêm as garantias sociais,
no caso os privilegiados, "suficientemente cacifados, para quem possam dar
garantias e seguranças" são escolhas para melhor exercer a dominação? Quem
dirá? Ah, os “esquerdopatas”. Os comunistas, os imorais, os que são contra a
família, propriedade e tradição, os que vivem uma ilusão (segundo alguns especialistas,
que são os mesmos que faltaram em tal aula) da existência do regime militar
como um regime de exceção, portanto, uma ditadura.
Um salto. Não sei se foi no Walter Benjamin ou Mauricio Blanchot que li
sobre uma passagem da Odisseia de Homero, que um dos autores, interpretava a
travessia de Ulisses pelo lago das sereias. Na passagem Ulisses Manda os
marinheiros (o povo, escravos?) colocarem cera nos ouvidos para que não ouçam o
lindo canto das sereias e, desse modo, evitem se jogarem ao mar por conta de
tanta beleza. E pede que o amarre. Para ele ouvir o canto e usufruir de sua
perfeição. A metáfora é boa pensar o comportamento dos nossos defensores dos
bons costumes. Hannah Arendt tem um texto belíssimo sobre a cultura que também pode
ilustrar o comportamento de tais defensores. Nele a autora dedica-se um tempo
refletindo sobre a figura do Filisteu Burguês. Grosso modo, é aquela figura que
não sabe lidar com a cultura, a não ser quando a mesma torna-se mercadoria;
algo a título de consumo e, por conseguinte, fadada ao desaparecimento. Sendo
que eles podem viajar e usufruir.
As forças reacionárias são muitas. Mas devemos manter o Se vivo, penso.
E se perguntarmos o que há de político na política e com isso buscarmos outras
formas de exercê-la? Talvez assim, outro possível possa vir a existir. Pois
como pensa os aberrantes: “um pouco de possível senão sufoco”.
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