quarta-feira, 13 de setembro de 2017



Um exercício de imaginação.

E Se. O Se tem relevância e sua importância, que o diga o sociólogo Gabriel Tarde: "Dizer se não é apenas lícito; é útil, é necessário; nenhuma lei teria sido descoberta e formulada pelo homem se não fosse dotado de faculdade de dizer se". E se ao final de 2018 um candidato de esquerda (nem falo que vai ser o Lula, pois dada a atual conjuntura isso parece ser cada vez mais distante), ou melhor, um centro-esquerda chegar a vencer as eleições (por mais que isso hoje seja distante pensar), ele governa? E mais, como chegará o Brasil ao final do governo ilegítimo? Com uma lógica de uma política estritamente econômica, o que gera insegurança das pessoas e dos bens, acarretando fenômenos dispendiosos e mais custos com policiais, pois precisa assegurar que essas pessoas não venham a se revoltarem. Pois basta passarmos os olhos em qualquer jornaleco veremos a taxa de desemprego no país é enorme (com perspectivas ainda mais assustadoras em relação à população jovem), para não falar daqueles que perderam seus benefícios (que diga de passagem é quase nada) retornando a um estado de vulnerabilidade social; o que em muitos casos significa um entendimento por parte dessa parcela da população de não se ver como cidadão, lançando-o num estado de destrutibilidade psicossocial de fortes implicações e marcas, levando-o buscar, infelizmente, em outros lugares formas de conforto e realizações. Se adequando ao estatuto de uma sobrevida, ao invés de se revoltar. Mas para quem não tem nem o que comer, como terá força para se revoltar? Para quem sempre foi estigmatizado, criminalizado, como lutará contra um Estado policialesco? E não podemos esquecer que com a violência física vem a violência simbólica. A produção de certo saber e sua circulação produzindo a doxa da naturalização e conformismo. Toda uma violência estrutural exercida, mas que se apaga no emaranhado do jogo político-econômico e nas narrativas construídas por ele. E Quem dirá em sã consciência que isso é uma construção social e uma escolha que busca privilegiar alguns em detrimento de outros, ou seja, que a involução de um Estado para alguns (no seu aspecto penal, de sacrifício das funções sociais: saúde, educação, cultura, habitação, assistência etc) é necessário para que outros gozem de um Estado que mantêm as garantias sociais, no caso os privilegiados, "suficientemente cacifados, para quem possam dar garantias e seguranças" são escolhas para melhor exercer a dominação? Quem dirá? Ah, os “esquerdopatas”. Os comunistas, os imorais, os que são contra a família, propriedade e tradição, os que vivem uma ilusão (segundo alguns especialistas, que são os mesmos que faltaram em tal aula) da existência do regime militar como um regime de exceção, portanto, uma ditadura. 

Nesse sentido, o Se (como o possível) vai perdendo terreno se estreitando nos caminhos construídos das possibilidades dadas anteriormente. O Se, no caso de chegar a ser eleito parece bem distante, e se (olha ele aí) vier a acontecer de chegar, parece bem provável que não consiga governar, pois o projeto em desenvolvimento por certo grupelho não permitirá. O projeto para o Brasil que eles têm é outro. É um projeto com benefícios para poucos. A cultura e a política nisso são determinantes. Desse modo, parece interessante averiguar que o ataque hoje não parece ser apenas a um ou a outro personagem, mas a uma forma de Estado mais social, a uma forma de realidade social mais próximo daquilo que um dia sonhamos ser igualdade. O Estado em voga, o Estado com prevalência econômica é o Estado neoliberal, é o Estado do abandono dos terrenos das ações sociais. A sua prevalência se deve a "um trabalho de doutrinação simbólica do qual participa passivamente os jornalistas, simples cidadãos, e, sobretudo, certo número de intelectuais" e ignorantes das artes. Além, claro, da violência em forma de genocídio contra parte da população, parte não, vamos dá nomes: a população negra e os povos indígenas. A esquizofrenia dos três poderes que hoje opera no país não é nada fora do lugar e nem, talvez, a anunciação da morte, e sim, uma técnica de governo com objetivos e bem claros.

Um salto. Não sei se foi no Walter Benjamin ou Mauricio Blanchot que li sobre uma passagem da Odisseia de Homero, que um dos autores, interpretava a travessia de Ulisses pelo lago das sereias. Na passagem Ulisses Manda os marinheiros (o povo, escravos?) colocarem cera nos ouvidos para que não ouçam o lindo canto das sereias e, desse modo, evitem se jogarem ao mar por conta de tanta beleza. E pede que o amarre. Para ele ouvir o canto e usufruir de sua perfeição. A metáfora é boa pensar o comportamento dos nossos defensores dos bons costumes. Hannah Arendt tem um texto belíssimo sobre a cultura que também pode ilustrar o comportamento de tais defensores. Nele a autora dedica-se um tempo refletindo sobre a figura do Filisteu Burguês. Grosso modo, é aquela figura que não sabe lidar com a cultura, a não ser quando a mesma torna-se mercadoria; algo a título de consumo e, por conseguinte, fadada ao desaparecimento. Sendo que eles podem viajar e usufruir.



As forças reacionárias são muitas. Mas devemos manter o Se vivo, penso. E se perguntarmos o que há de político na política e com isso buscarmos outras formas de exercê-la? Talvez assim, outro possível possa vir a existir. Pois como pensa os aberrantes: “um pouco de possível senão sufoco”.  

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