domingo, 17 de setembro de 2017

Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa: entre uma coisa e outra há o meio


                                            (quadro: Operários; de Tarsila do Amaral)

Dizer que a esquerda e a direita se unem no reacionarismo, é Jogar a “água da bacia, com criança e tudo”, ou seja, é não conseguir distinguir uma coisa da outra. O que exige, no mínimo, colocar em perspectiva o conceito bem como as dimensões. E aqui vou tomar como perspectiva a definição de Gilles Deleuze, para quem a esquerda se caracteriza por pensar sempre de fora para dentro, nunca do umbigo para fora. Nesse sentido, uma se caracteriza pela forma conservadora (de certa forma de vida) e excludente, mesmo porque quando inclui, inclui excluindo a multiplicidade, as singularidades; inclusão sem resíduos, perspectiva unilateral, reproduzindo-se pela homogeneização, pelo padrão, que não foi e não é constituído pela maioria numérica, mas por uma minoria maior econômico e politicamente. Outra coisa são forças políticas que criticam essa ordem estabelecida, identificando-se com lutas por transformações socializantes. Sendo uma multiplicidade fragmentária de corpos necessitados e excluídos, uma fratura intensiva: nem pode ser incluído no todo e nem pertencer ao conjunto que está desde sempre incluído. O que requer pensar o lugar de onde estão falando e sobre o que estão reivindicando. Uma coisa é uma minoria não numérica pretender ser ouvida, tornando sua pretensão um grito, grito, aliás, que incomoda porque demonstra, entre outras coisas, a indignidade de falar pelos outros. Os que reivindicam têm sua fala e sua potência. A questão é saber se os mecanismos que são utilizados pela esfera reacionária para tornar inaudíveis esses gritos, essas pretensões, não são de alguma maneira, empregados por parte daqueles que muitas vezes habitam uma dimensão mais a esquerda, mas que vive numa espécie de esquizofrenia ou infantilização, fruto (não sem luta, me parece) de uma violência simbólica de um sistema que se reproduz nas instituições dominantes com seus aparelhos de objetivação.


Numa esfera o que é posto é a eliminação da multiplicidade, na outra é a democratização, que é mais do que acesso, é também a participação constituinte, por isso conflitosa, mas também criativa porque exige a criação de espaços e tempos que comportem essa multiplicidade, exige o encontro, o debate, a troca. Está-se falando, nesse sentido, para além dos indivíduos isolados, ou seja, está-se falando de uma estética da existência enquanto formas de vidas: maneiras de fazer, ver e ouvir. Modos de encontros e, por isso, de dissenso, e tudo que certa esfera reacionária não quer é dissenso, dissidentes. 

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